domingo, 16 de março de 2008

Jill Bolte Taylor, a neurocientista que vive no agora

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Eu me tornei adulta para estudar o cérebro porque tenho um irmão que foi diagnosticado com uma desordem no cérebro, esquizofrenia. E como irmã e cientista, eu quis entender, por é que que eu posso pegar meus sonhos, eu posso conectá-los à minha realidade, e eu posso transformar meus sonhos em realidade - e o que é que acontece com o cérebro do meu irmão e a sua
esquizofrenia, que ele não consegue conectar seus sonhos em uma realidade comum e compartilhada, para que eles não se tornem ilusões?

Então eu dediquei minha carreira para pesquisar doenças mentais severas. E eu me mudei do meu estado natal da Indiana para Boston, onde eu trabalhava no laboratório da Drª Francine Benes, no Departamento de Psiquiatria de Harvard. E no laboratório, nós estávamos respondendo à questão, de quais são as diferenças biológicas entre os cérebros de indivíduos que tinham sido diagnosticados como controle normal, em comparação com cérebros de indivíduos diagnosticados com esquizofrenia, desordem esquizoafetiva ou desordem bipolar?

Então nós essencialmente mapeávamos os microcircuitos do cérebro, quais células comunicam-se com quais células, com quais substâncias, e então com quais quantidades dessas substâncias. Então havia um monte de significado na minha vida porque eu estava fazendo este tipo de pesquisa durante o dia. Mas então, toda noite e nos finais de semana eu viajava como uma representante do NAMI, a Aliança Nacional sobre Doença Mental.

Mas na manhã de 10 de dezembro de 1996, eu acordei para descobrir que eu mesma tinha uma desordem cerebral. Um vaso sangüíneo se rompeu no hemisfério esquerdo do meu cérebro. E no decorrer das quatro horas seguintes, eu observei a capacidade
do meu cérebro para processar informação se deteriorar completamente. Na manhã da hemorragia eu não podia andar, falar, ler, escrever ou lembrar de nada da minha vida. Eu simplesmente me tornei um bebê no corpo de uma mulher.

Se você já viu um cérebro humano, é óbvio que os dois hemisférios são completamente separados um do outro. E eu trouxe para vocês um cérebro humano real. [Obrigado] Então, este é um cérebro humano real. Esta é a frente do cérebro, a parte de
trás do cérebro com a medula espinhal pendurada, e é assim que ele estaria posicionado dentro da minha cabeça. E quando você olha o cérebro, é óbvio que os dois córtex cerebrais estão completamente separados um do outro. Para aqueles
que entendem de computadores, nosso hemisfério direito funciona como um processador paralelo. Enquanto nosso hemisfério esquerdo funciona como um processador serial. Os dois hemisférios se comunicam entre si através do corpo caloso, que é um feixe formado por cerca de 300 milhões de fibras. Mas fora isso, os dois hemisférios são completamente separados. Por eles processarem informação de forma diferente, cada hemisfério pensa sobre coisas diferentes, se ocupam de coisas diferentes,
e eu me atrevo a dizer, que eles têm personalidades muitos diferentes. [Desculpe-me. Obrigada. Foi um prazer.]

Nosso hemisfério direito é voltado totalmente para o momento presente. É sobre o aqui mesmo, agora mesmo. Nosso hemisfério direito pensa em imagens e aprente cinestesicamente através do movimento dos nossos corpos. A informação em forma
de energia flui simultaneamente através de todos os nossos sistemas sensoriais. E então explode nesta enorme composição que se apresenta como o presente momento. O cheiro, o gosto, e a sensação e o som do momento presente. Eu su um ser de
energia conectado com toda a energia ao meu redor através da consciência do meu hemisfério direito. Nós somos seres de energia conectads uns aos outros através da consciência dos nossos hemisférios direitos como uma única família humana.
E aqui mesmo, agora mesmo, todos nós somos irmãos e irmãs neste planeta, aqui para fazer do mundo um lugar melhor. E neste momento nós somos perfeitos. Nós somos inteiros. E nós somos lindos.

Meu hemisfério esquerdo é um lugar muito diferente. Nosso hemisfério esquerdo pensa linear e metodicamente. Nosso hemisfério esquerdo é todo sobre o passado, e é todo sobre o futuro. Nosso hemisfério esquerdo é projetado para pegar essa
enorme colagem do momento presente, e começar a coletar detalhes e mais detalhes e mais detalhes sobre aqueles detalhes. E então categorizar e organizar toda essa informação. E a associa com tudo que já aprendemos no passado e projeta no futuro todas as nossa possibilidades. E nosso hemisfério esquerdo pensa em forma de linguagem. É essa conversa cerebral que conecta a mim e o meu munto interior com o meu mundo exterior. É essa pequena voz que me diz, "Ei, você tem que se lembrar de comprar bananas no caminho de casa, e comê-las de manhã". É essa inteligência calculadora que me lembra de que eu tenho que
lavar minhas roupas. Mas talvez o mais importante, é essa pequena voz que me diz "Eu sou. Eu sou." E assim que meu hemisfério esquerdo me diz "Eu sou", eu me torno separada. Eu me torno um indivíduo sozinho e sólido, separado do
fluxo de energia ao meu redor e separado de você. E essa foi a porção do meu cérebro que eu havia perdido na manhã do meu derrame.

Na manhã do meu derrame, eu acordei com um uma dor pontiaguda atrás do meu olho esquerdo. E era um tipo de dor, uma dor que queimava, que você sente quando morde um sorvete. E essa dor me deixou logo depois de me atacar. Então me atacou de
novo e então me deixou. E era um tipo muito incomum para mim sentir qualquer dor, então eu pensei "Ok, eu vou começar minha rotina normal. Então eu me levantei e pulei no meu cardio glider, que é um aparelho de ginástica para o corpo todo.
E então lá estava eu agarrada no aparelho, e percebendo que minhas mãos se pareciam como garras primitivas agarrando a barra. Eu pensei "isso é muito estranho" e olhei para o meu corpo e pensei "uau, eu sou uma coisa de aparência
esquisita" E foi como se a minha consciência houvesse mudado da minha percepção normal da realidade, de ser uma pessoa fazendo exercícios num aparelho, para algum espaço esotérico onde eu observo eu mesma tendo essa experiência.

E era tudo muito estranho e a minha dor de cabeça estava ficando pior, então eu saí da máquina, e atravessei a minha sala de estar, e percebi que tudo dentro do meu corpo tinha ficado mais lento. E cada passo era muito rígido e muito deliberado.
Não havia fluidez no meu caminhar, e não havia pressão nas minhas áreas de percepção, então eu apenas me foquei nos meus sistemas internos. E eu estava de pé no meu banheiro me preparando para entrar no chuveiro e então pude realmente
ouvir o diálogo interno no meu corpo. Eu ouvi uma pequena voz dizendo "Ok, vocês, músculos, vocês têm que se contrair, vocês músculos, relaxem"

E então eu perdi meu equilíbrio e me apoiei na parede. E eu olhei pra baixo, para o meu braço, e percebi que não conseguia mais definir os limites do meu corpo. Eu não podia definir onde eu começava e onde eu terminava. Porque os
átomos e as moléculas do meu braço haviam se fundido com os átomos e moléculas da parede. E tudo que eu podia detectar era essa energia. Energia. E eu estava perguntando a mim mesma, "o que há de errado comigo, o que está acontecendo?"
E nesse momento, a minha conversa cerebral, a conversa cerebral do meu hemisfério esquerdo tinha se silenciado totalmente. Exatamente como quando alguém pega um controle remoto e aperta o botão de "mudo" e - silêncio total.

E no começo eu fiquei chocada ao me ver dentro de uma mente silenciosa. Mas então eu fiquei imediatamente pela grandiosidade da energia ao meu redor. E por eu não poder mais identificar os limites do meu corpo, eu me senti enorme e expansiva.
Eu me senti em unidade com toda a energia que havia, e aquilo ali era lindo.

Então de repente meu hemisfério esquerdo voltou à ativa e me disse, "Ei! Nós temos um problema, nós temos um problema, nós temos que pedir ajuda." Então era como "Ok, ok, nós temos um problema, mas então me deixei levar imediatamente
de volta para a consciência, e eu carinhosamente me referi a esse espaço como "La La Land". Mas era lindo ali. Imagine como seria, estar totalmente desconectado da nossa conversa cerebral que conecta você ao mundo exterior. Então ali estou
eu nesse espaço e qualquer estresse relacionado ao meu trabalho havia sumido. E eu senti leveza no meu corpo. E imagine todos os relacionamentos no mundo exterior e os tantos causadores de estresse relacionados a esses relacionamentos, todos
eles tinham sumido. Eu senti uma sensação de paz. E imagine o que é perder 37 anos de bagagem emocional! Eu senti euforia. A euforia era maravilhosa - e então meu hemisfério esquerdo volta à ação e diz "Ei! você tem que prestar
atenção, nós temos que buscar ajuda", e eu pensei "Eu tenho que pedir ajuda. Tenho que me focar." Então saí do chuveiro e mecanicamente me vesti e andei pelo meu apartamento, e eu pensava "Eu tenho que ir trabalhar, tenho que
ir pro trabalho, consigo dirigir? Consigo dirigir?"

Naquele momento meu braço direito ficou totalmente paralisado do meu lado. E eu percebi "O meu Deus! Estou tendo um derrame! Estou tendo um derrame!" E a próxima coisa que o meu cérebro me diz é "Uau! Isso é tão legal. Isso é tão legal. Quantos cientistas têm oportunidade de estudar seu próprio cérebro de dentro para fora?"

E então veio à minha cabeça: "Mas eu sou uma mulher muito ocupada. Eu não tenho tempo para um derrame!" Então é como "Ok, eu não posso impedir que o derrame aconteça, então vou fazer isso por uma semana ou duas, então vou voltar para
minha rotina, ok."

Então eu tenho que pedir ajuda por telefone, eu tenho que telefonar para o trabalho. Eu não conseguia me lembrar do número do telefone do meu trabalho, então me lembrei, no meu escritório eu tinha um cartão com meu número nele. Então eu fui para a minha sala de trabalho, e levantei uma pilha de 3 polegadas de cartões profissionais. E eu estava ali olhando o cartão de cima, e embora eu pudesse ver claramente no olho da minha mente como o meu cartão se parecia, eu não conseguia distinguir se esse cartão era meu ou não, porque tudo o que eu podia ver eram pixels. E os pixels das palavras se fundiam com os pixels
do cartão e com os pixels dos símbolos, e eu não conseguia distinguir. E eu esperaria pelo que eu chamava de "onda de clareza" E naquele momento, eu podia me conectar com minha realidade normal e distinguir, "esse não é o meu cartão,
esse não é o meu cartão, esse não é o cartão" Eu levei 45 minutos para ver 2 centímetros e meio de cartões.

Enquanto isso, por 45 minutos a hemorragia se tornou maior no meu hemisfério esquerdo. Eu não entendia números, eu não entendia o telefone, mas esse era o único plano que eu tinha. Então eu peguei o fone e coloquei aqui, peguei o cartão, coloquei aqui, e tentava coincidir o formato dos números no cartão com o formato dos números no fone. Mas então eu voltava para o "La La Land", e não me lembrava mais se eu já tinha digitado aqueles números.

Então eu tive que manusear meu braço paralisado como uma caneta, e cobri os números que eu já tinha digitado e ia digitando, para que eu pudesse voltar à realidade e dizer "sim, eu já digitei esse número" No fim, todo o número havia sido digitado, e eu ouvi ao telefone, e meu colega pegou o telefone e me disse "au au au au au au" [risos] E eu pensei "Oh, meu Deus, ele fala
como um cachorro!" E então, na minha mente eu disse a ele, claramente "Aqui é a Jill! Eu preciso de ajuda!" E o que saiu na minha voz foi "au au au au au". Eu pensei "Oh meu Deus, eu falo que nem um cachorro" Então eu não podia saber, eu não sabia que eu não podia falar ou entender a linguagem até aquele momento.

Então eu reconheci que eu precisava de ajuda, e ele me mandou ajuda. E um pouco depois, eu estava indo de ambulância de um hospital do outro lado de Boston para o Hospital Geral de Massachussetts. E eu me enrolei numa pequena bola fetal. E exatamente como um balão com a última reserva de ar, bem ali fora do balão eu senti minha energia se elevar e senti meu espírito se render. E naquele momento eu sabia que eu não era mais a coreógrafa da minha vida. E que ou os médicos resgatariam o meu corpo e me dariam uma segunda chance, ou esse era talvez meu momento de transição.

Então eu acordei depois daquela manhã e eu estava chocada ao descobrir que eu ainda estava viva. Quando eu senti meu espírito se render, eu disse adeus à vida, e minha mente estava agora suspensa entre dois planos bem diferentes da realidade. Os estímulos que chegavam ao meus sistemas sensoriais pareciam pura dor. A luz queimava o meu cérebro como fogo selvagem e soava
tão caótica que eu não podia distinguir uma voz do barulho ao fundo, e eu só queria escapar. Por eu não conseguir identificar a posição do meu corpo no espaço, eu me senti enorme e expansiva, como um gênio que acabou de ser libertado da sua garrafa. E meu espírito se ergueu livre, como uma grande baleia flutuando no mar de euforia silenciosa. Harmoniosamente. Eu lembro de ter pensado que não havia jeito de eu espremer a enormidade de mim mesma e colocá-la de volta dentro deste minúsculo corpo.

Mas eu percebi "Mas eu ainda estou viva! Eu ainda estou viva e eu encontrei o Nirvana. E se eu encontrei o Nirvana e ainda estou viva, então qualquer um que está vivo pode encontrar o Nirvana." Eu imaginei um mundo cheio de pessoas lindas, pacíficas, compassivas e amorosas, que pudessem saber que podiam vir para esse espaço a qualquer momento. E que eles podiam escolher conscientemente pular para o hemisfério direito e encontrar essa paz. E então eu percebi a tremenda dádiva que essa experiência podia ser, que esse derrame de insight uma maneira de como poderíamos viver nossas vidas. E isso me motivou a me recuperar.

Duas semanas e meis após a hemorragia, os cirurgiões chegaram e removeram uma massa de sangue do tamanho de uma bola de golfe que estava pressionando meus centros de linguagem. Aqui eu estou com a minha mamãe, que é um verdadeiro anjo na minha vida. Eu levei oito anos para me recuperar completamente.

Então quem somos nós? Nós somos a força da vida do universo, com destreza manual e duas mentes cognitivas. E nós temos o poder de escolher, momento a momento, quem e como nós queremos ser no mundo. Aqui mesmo e agora mesmo, eu posso entrar na consciência do meu hemisfério direito onde nós somos - eu sou - a força da vida do universo, e a força da vida das 50 trilhões de gênios moleculares maravilhosos que constituem a minha forma. Em unidade com tudo que é. Ou eu posso escolher entrar na consciência do meu hemisfério esquerdo, onde eu me torno um indivíduo único, um sólido, separado do fluxo, separado de você. Eu sou a Drª Jill Bolte Taylor, intelectual, neuro-anatomista. Esses são os "nós" dentro de mim.

Qual você escolheria? Qual você escolhe? E quando? Eu acredito que quanto mais tempo nós passamos escolhendo ativar os circuitos profundos a nossa paz interior dos nossos hemisférios direitos, mais paz nós projetaremos no mundo e mais pacífico nosso planeta será. E eu penso que essa é uma idéia que vale a pena difundir.

(Traduzido por Marcelo Oliveira)

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